terça-feira, setembro 06, 2005

Comedian (2002): «Jerry Seinfeld swearing. Only in theaters.»



Jerry Seinfeld é, a meu ver, um dos melhores comediantes do nosso tempo e a série que lhe trouxe reconhecimento e aclamação mundiais, Seinfeld, é, também na minha opinião, a melhor série de humor (ou mesmo a melhor série) de sempre. Por conta destas minhas opiniões, não é difícil calcular a expectativa que eu tinha em relação a este documentário.


Depois do êxito da série, que o tornou num dos mais reconhecidos comediantes mundiais, Jerry fez o impensável: decide deixar para trás todo (todo mesmo!) o seu material e começar do zero. Faz um funeral a todas as suas antigas piadas, I'm telling you for the last time (disponível em DVD) e começa tudo novamente, voltando à vida inconstante das piadas nocturnas nos comedy clubs.
É esse regresso ao ponto zero que acompanhamos no documentário Comedian, com o regresso de Jerry aos comedy clubs, às actuações em palcos minúsculos de bares, ao nervoso por estar sempre a testar piadas novas e saber que qualquer uma delas pode falhar... enfim, à vida de qualquer comediante em início de carreira. A diferença é que este comediante em (re)início de carreira foi o protagonista e co-argumentista daquilo que foi até por alguns especialistas considerado o melhor programa da história da televisão: Seinfeld, cerca de 9 anos de uma série sobre nada. Foi o homem que recusou receber um milhão de dólares para continuar a fazer a série (lembro-me de Oprah Winfrey lhe perguntar porquê e de ele responder que tinha recusado porque já tinha Porsches que chegassem). Aqui está ele agora, aquele que fora um dos mais célebres solteiros dos EUA, casado e pai de filhos, um comediante assistido no mundo inteiro pela série, a actuar em bares, conforme calha.

Em Comedian, apresentam-se dois momentos distintos, que por vezes chegam a entrecruzar-se: o regresso de Jerry Seinfeld aos comedy clubs e o início da carreira de um jovem (e paranóico, acrescento) comediante, Orny Adams. Pelo meio destas duas histórias, muitas caras conhecidas (Jay Leno, Ray Romano, Chris Rock, Gary Valentine, George Shapiro e o extraordinário Bill Cosby, entre outros), sempre a reforçar o testemunho da dificuldade de sobreviver no incontante mundo da comédia.

Comedian não é o produto bem-disposto a que Jerry Seinfeld nos habituou: composto de muitos momentos de humor é, ainda assim, um retrato angustiante das dificuldades por que passam aqueles que decidem entrar no mundo da comédia (de lembrar que, ao contrário do que se passa em Portugal, a tradição do stand-up comedy está perfeitamente cimentada).
O que se percebe com este documentário é que a vida de um comediante fora dos palcos é tudo menos bem-disposta. Seja pela história do recomeço de Jerry, seja pela história do começo de Orny Adams, a impressão é sempre a mesma: fazer rir é mesmo das coisas mais difíceis que alguém pode querer fazer na vida.
Um dos aspectos que mais valoriza o documentário é o facto de, apesar de a conclusão que tiramos das duas histórias ser comum, Jerry e Orny não poderiam ter ideias mais díspares em relação à comédia e à vida de um comediante.

O documentário, que antes de sair já era famosíssimo pela originalidade do trailer, dá uma visão muito clara das dificuldades do mundo daquele que vemos sempre a rir e fazer rir. São 81 minutos que muitos esperam ser de boa-disposição (ou não é a isso que o nome de Seinfeld está associado) mas que segue um caminho muito diferente, revelando a angústia da piada inesperada, do riso que pode, a qualquer altura, não chegar.